sexta-feira, maio 30, 2008

 

As Mensagens da Árvore - 5


Perfeição Social é Mutilação


Como vivemos num mundo onde se valoriza a aparência, é comum pensarmos na árvore apenas pelos elementos visíveis, pela copa e tronco. Esse é o lado "limpo" e "bonito" da árvore. Como a copa e o tronco são as partes visíveis da árvore, elas correspondem ao que as pessoas enxergam de nós, é a nossa aparência, o que queremos que as pessoas conheçam da gente. Em termos psicológicos seria a nossa Persona, a imagem que projetamos socialmente.

As raízes ficam abaixo da superfície da terra. É a parte obscura e "suja" da árvore. É a parte que a árvore não mostra. Nós, seres humanos, também temos uma parte que escondemos das pessoas. O psiquiatra Carl Gustav Jung chamava essa parte de Sombra. Todos os nossos impulsos secretos, nossas vergonhas, nossos medos, nossos pensamentos "sujos", nossas vontades inconfessáveis e nossas fraquezas são ocultados - consciente ou inconscientemente - na sombra da psique. Essa parte é natural e um componente necessário na formação da nossa personalidade, tanto quanto a raiz é necessária para a árvore como um todo. Uma árvore não tenta eliminar sua raiz por achar que deve ter apenas o lado bonito, a copa, as folhas, as flores e os frutos. A copa não vive em conflito com a raiz, mas os seres humanos, por causa dos padrões culturais, têm tendência a fazer isso.

Por influência das crenças históricas que herdamos na nossa formação, somos ensinados a eliminar as coisas consideradas negativas, sujas, obscuras, inferiores e cultuar apenas as coisas positivas, limpas, iluminadas e superiores da alma e da vida. Na prática, percebemos que a sociedade nos cobra a perfeição. As pessoas querem que sejamos perfeitos. Nessa perspectiva, o subterrâneo e o inferior estão associados ao pecado e a parte superior e iluminada está associada à virtude. Isso obriga as pessoas a fazer uma escolha entre o superior e o inferior, entre a essência e a matéria, entre o limpo e o sujo, entre a virtude e o pecado, entre a raiz e a copa. Assim, tudo que é "inferior", "obscuro", "sujo", "subterrâneo", "feio", "escondido" é reprimido, jogado para debaixo do tapete, mantido longe dos olhos dos outros e, pior, longe dos olhos da própria pessoa. Quem busca a perfeição de caráter se vê obrigado a eliminar esses aspectos da vida, para ser uma pessoa "limpa", "pura", "incontaminada", "bonita", "iluminada", enfim, uma bela copa de árvore florida. Uma bela árvore florida, mas sem raízes.

A busca do equilíbrio entre os aspectos subterrâneos e a elevação também é uma preocupação dos povos do Extremo Oriente. Jung, no livro O Segredo da Flor de Ouro, comenta que "os chineses não têm tendência à repressão violenta dos instintos, que envenena nossa espiritualidade, imprimindo-lhe um exagero histérico. O homem que convive com seus instintos também pode destacar-se deles, de modo natural".

Querer ser socialmente perfeito é tão prejudicial quanto querer eliminar as raízes. Uma pessoa que deseja ser "perfeita" deve ser cheia de virtudes e não possuir nenhum pecado. Na realidade, a perfeição implica uma mutilação, a eliminação de tudo aquilo que é "baixo", "rasteiro", "subterrâneo", "inferior". Uma árvore, no entanto, não se mutila, não elimina suas próprias raízes, não sacrifica uma coisa em função da outra. A árvore não quer ser perfeita, ela é perfeita. Perfeita porque tem copa e raiz. A árvore só é completa com tronco, galhos e raízes. Em temos psicológicos, podemos dizer que só somos completos se tivermos uma estrutura que nos dê suporte à vida, nos dê estabilidade, nos "aterre" ou nos "enraize" nos conteúdos que mantemos em nosso subterrâneo. Isso significa que uma pessoa completa é capaz de reconhecer a existência e a necessidade da Sombra como componente essencial de sua personalidade.

Sentimentos como medo, vergonha, raiva, fraqueza, impotência, impulsos libidinosos, insegurança, inadequação, cobiça, possessividade, ciúmes também podem ser associados aos aspectos sombrios, inferiores ou subterrâneos da nossa psique. São coisas que procuramos manter em segredo, escondidas. É natural que seja assim. A raiz da árvore também não fica à mostra. Não há nenhuma necessidade de expor nosso lado obscuro a todo mundo. A raiz deve ficar debaixo da superfície, é assim que a Natureza faz. Mas ocultar não significa excluir, mutilar. Para a árvore existir, a raiz também precisa existir, não pode ser eliminada. Nem a nossa Sombra.

[continua]

Fonte: Roberto Otsu, A Sabedoria da Natureza: Taoísmo, I Ching, Zen e os Ensinamentos Essênios, Editora Ágora, 2006.

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Comments:
Olá, Rui.

Escrevo para agradecer por você ter postado trechos do meu livro "A sabedoria da Natureza" em seu blog.
Obrigado pela divulgação!
Um grande abraço e muita paz!
Roberto Otsu
 
Olá Roberto,

Fui à uma sua palestra aqui em Campinas-SP, quando então você me autografou esse seu livro. Como gostei muito das suas colocações neste seu trabalho, resolvi fazer uma seleção dos trechos que mais entraram em ressonância comigo. Sempre que faço esse tipo de trabalho eu sempre cito a fonte, para que os interessados procurem por mais informações do mesmo quilate daquelas apresentadas.

Obrigado por ter tido a determinação de compor essa obra tão esclarecedora.

Um abração e qua a Paz sempre te acompanhe!

Rui Fragassi
 
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